segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Mudanças na lei Rouanet sem destruir o que se construiu



Fazer mudanças profundas e impensadas na lei Rouanet pode ser um imenso passo atrás na produção cultural brasileira, que só no ano passado se beneficiou com mais de 1,2 bilhão de reais investidos em projetos chancelados por essa legislação de incentivo à cultura que tem quase 19 anos de funcionamento. E por um motivo muito simples: mudar as regras do jogo de forma abrupta e no meio da partida sempre gera dúvidas – certamente vai gerar.

É importante termos consciência de que, dentro de uma empresa de grande porte, a aprovação para a utilização de uma lei de incentivo à cultura passa por uma série de instâncias: departamentos financeiros, fiscal e jurídico, presidência, comitês...

Assim, uma mudança na principal lei de incentivo à cultura do país precisa ser muito bem pensada. Pois se gerar qualquer tipo de insegurança, de dúvida, isso certamente fará com que a maioria das empresas repense. E repensar, nesse caso, significa que a empresa pode preferir recolher seus impostos, sem direcionar qualquer centavo para projetos culturais incentivados. Isso é fato.

E aí, a produção cultural brasileira correrá o risco de ficar, mais uma vez, sem uma importante fonte de recursos. E são tão poucas – sempre foram – as fontes de recursos para produção cultural no país...

Torna-se fundamental, então, refletir: a lei Rouanet e seu uso efetivo é algo relativamente novo no Brasil. Ela foi criada em 1991, tem quase 19 anos de existência, mas seu tempo de uso real, constante e massivo é bem menor.

Desde sua criação e regulamentação, as empresas, produtores, artistas e entidades têm aprendido gradativamente a utilizar a legislação para produzir cultura.

Muito se aprendeu desde então. Hoje, as grandes empresas criam comitês formais para avaliar projetos culturais, estruturam departamentos de responsabilidade social para também trabalhar com a lei, contratam agências produtoras de cultura, entre outros expedientes.

Ou seja, está se sedimentando um mercado de patrocínio genuinamente brasileiro, muito lastreado numa certa estabilidade que a legislação criou no Brasil.

Pois mudar as regras de uma forma abrupta ou radical pode gerar uma desestruturação generalizada do que já conquistamos nessas quase duas décadas.

Obviamente que não se trata de restringir qualquer mudança na lei Rouanet. Como toda legislação, ela também precisa evoluir, acompanhar as mudanças da sociedade, enfim, modernizar-se, mas sem se destruir.


Viciados nos 100%

Uma mudança bem-vinda, por exemplo, seria a referente ao artigo 18, incluído na lei em 1997 para conceder 100% de incentivo fiscal a projetos culturais, cujas áreas e temas tinham mais dificuldades em conseguir patrocínios, entre elas, música erudita e instrumental, artes plásticas, artes cênicas e livros.

Mas o que deveria ser exceção acabou virando a regra. Hoje, o uso do artigo 26 – que é o artigo original da lei Rouanet, que prevê incentivo de 30% do valor do projeto, ou seja, a empresa precisa investir uma parte de dinheiro sem incentivo – é minoria no uso da lei. Boa parte das empresas ficou "viciada" em apenas patrocinar projetos que têm os 100% de incentivo.

Nesse contexto, uma mudança inteligente seria, sim, estabelecer alíquotas diferenciadas, conforme critérios como a "relevância social" do projeto cultural que busca o patrocínio. Por exemplo, projetos gratuitos, direcionados na formação de público, projetos executados em regiões menos favorecidas e carentes de estruturas e ações culturais poderiam ter 100%, 90% ou 80%.

Particularmente, considero 80% de incentivo fiscal uma boa faixa para se trabalhar, porque ele cria dentro da empresa uma cultura incomum no Brasil: a de reservar no orçamento da companhia uma parte da verba, mesmo que pequena, para ser investida em cultura – sem incentivo fiscal.

Hoje, no entanto, o que ocorre em boa parte das empresas, na prática, é o seguinte: se a empresa tem imposto para pagar e encontra um bom projeto com 100% de incentivo fiscal, ela usa o incentivo e não coloca um centavo do próprio bolso. Mas se não tem imposto para pagar, não investe então nada em cultura.

Tal prática recorrente se torna absurda quando se imagina, por exemplo, que uma empresa investiria num projeto de ensino de música para crianças carentes somente para usar o incentivo fiscal. Se a empresa não tiver imposto para pagar no ano seguinte, as crianças precisarão parar o aprendizado.
Isso está muito longe de ser chamado de responsabilidade social.

Antoine Kolokathis é produtor cultural, diretor-fundador da Direção Cultura (www.direcaocultura.com.br), produtora cultural de Campinas (SP
 
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